Milton Ribeiro é preso em operação da PF sobre verbas do MEC
Ex-ministro da Educação e homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro (PL), o pastor Milton Ribeiro, 64, foi preso hoje pela Polícia Federal em uma operação batizada "Acesso Pago". A ação apura indícios de pagamento de propina e atuação de lobistas no processo de liberação de verbas do ministério a municípios.
Ribeiro é suspeito de realizar tráfico de influência a fim de beneficiar aliados com recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC controlado por políticos do centrão. O caso foi revelado inicialmente em reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo". O inquérito da PF cita ao menos quatro investigados, e há ainda indícios de corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa.
Também foi detido hoje o pastor Gilmar Santos, um dos dois religiosos ligados ao ex-ministro e que foram citados como lobistas do "balcão de negócios" no ministério. O segundo é Arilton Moura —a Polícia Federal não informou à imprensa a situação dos demais alvos das diligências.
No total, são quatro mandados de prisão e 13 mandados de busca e apreensão distribuídos entre quatro estados (São Paulo, Goiás, Distrito Federal e Pará). O crime de tráfico de influência tem pena prevista de 2 a 5 anos de reclusão, de acordo com o artigo 332 do Código Penal.
Ribeiro foi preso durante a manhã em Santos (SP), e será transferido ainda hoje para a Superintendência da PF em Brasília. Uma audiência de custódia foi marcada para amanhã, às 14h. A determinação consta no mandado de prisão, autorizado pelo juiz federal Renato Borelli na última segunda (20).
O advogado do ex-ministro, Luiz Carlos da Silva Neto, afirmou que "inexiste razão para a prisão preventiva editada". "A custódia é injusta, desmotivada e indiscutivelmente desnecessária. Vamos entrar com pedido de habeas corpus visando o reconhecimento da coação ilegal imposta, especialmente porque os fatos são pretéritos e sem contemporaneidade. Não se poderia decretar a medida excepcional."
Em nota, o Ministério da Educação informou hoje que vai "continuar colaborando com todas as instâncias que envolvem a gestão anterior da pasta".
"No sentido de esclarecer todas as questões, o MEC reforça que continua contribuindo com os órgãos de controle para que os fatos sejam esclarecidos com a maior brevidade possível. O MEC ressalta que o governo federal não compactua com qualquer ato irregular e o continuará a colaborar com as investigações."
Em entrevista à rádio Itatiaia (MG), Bolsonaro declarou que o ex-subordinado deve responder "pelos atos dele".
"Se tem prisão, é PF, é sinal que a PF está agindo. Que ele responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum, mas se tem problema, a PF está agindo, está investigando. É sinal que eu não interfiro na PF, porque isso vai respingar em mim, obviamente", disse hoje o presidente da República.
O posicionamento contrasta com uma fala de Bolsonaro que ocorreu em março desse ano, período em que Ribeiro ainda era ministro e estava pressionado a entregar o cargo. Na ocasião, o governante afirmou que colocaria "a cara toda no fogo" pelo pastor e ex-chefe do MEC.
"O Milton, coisa rara eu falar aqui, eu boto a minha cara no fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton", disse.
O presidente ainda classificou como "covardia" a pressão para que o então ministro deixasse o cargo —o que aconteceu em 28 de março— e disse considerar que a situação simbolizava a "falta de corrupção" em sua gestão. "Por que não tem corrupção no meu governo? Porque a gente age dessa maneira. A gente sempre está um passo a frente. Ninguém pode pegar alguém e dizer 'ó, você está desviando'. Tem que ter prova, poxa, se não é uma ação contra a gente."
Lobistas do MEC
Em março, áudio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo revelou que o governo federal priorizou a liberação de recursos a prefeituras indicadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura Correia, que não têm cargos oficiais no MEC (Ministério da Educação), mas que atuavam como lobistas na pasta. Ambos são ligados a Ribeiro.
Na gravação, o ex-ministro diz que o privilégio atenderia a solicitação de Bolsonaro, que negou ter orientado o então subordinado a cometer qualquer irregularidade. Após a divulgação do áudio, o prefeito do município de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), disse que o pastor Arilton Moura solicitou R$ 15 mil antecipados para protocolar as demandas da cidade, além de um quilo de ouro.
A PF também cumpre hoje mandados de busca e apreensão em endereços de Ribeiro e dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. De acordo com a instituição, ação mira crimes de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE.
Os investigadores identificaram indícios de crimes na liberação de verbas do fundo com base em documentos, depoimentos e um relatório do CGU (Controladoria-Geral da União) —há três semanas, um novo documento do CGU apontou sobrepreço em edital do FNDE.
Ao todo, são cumpridos 13 mandados de busca e apreensão e cinco de prisões em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal. Os investigados podem responder pelos seguintes crimes:
- Tráfico de influência com pena de 2 a 5 anos de reclusão;
- Corrupção passiva, de 2 a 12 anos de reclusão;
- Prevaricação, de 3 meses a 1 ano de reclusão;
- Advocacia administrativa, de 1 a 3 meses.
Relembre o caso
O áudio obtido pela Folha revelou que o governo federal priorizou a liberação de recursos a prefeituras indicadas por Gilmar Santos e Arilton Moura. Na gravação, Ribeiro associa o privilégio a um suposto pedido do presidente da República.
No dia seguinte, Ribeiro admitiu o encontro com pastores, mas isentou Bolsonaro de pedir "atendimento preferencial" aos líderes religiosos e lobistas do MEC.
O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem.
Nota divulgada à época por Milton Ribeiro
"Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas."
Ribeiro —que também é pastor— afirmou que a alocação de recursos respeitava a legislação e os critérios técnicos do FNDE. Ele negou envolvimento da igreja na tomada de decisões.
Ressalto que não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa.
Nota do ex-ministro Milton Ribeiro
Segundo o ex-chefe da pasta da Educação, "não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado".
Áudio de conversa com prefeitos e pastores
Na conversa revelada pela Folha, participaram prefeitos, os dois pastores e lideranças do FNDE. Na reunião, que aconteceu dentro do MEC, o ministro falou sobre o orçamento da pasta, cortes na educação e ainda sobre a liberação de recursos para obras em creches, escolas e quadras ou para a compra de equipamentos de tecnologia.
"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar [Silva dos Santos]", diz o ministro, na gravação divulgada pelo jornal.
Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar.
Trecho de áudio obtido pela Folha de S. Paulo
Ribeiro citou também uma contrapartida. "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas", disse. Na gravação obtida pela Folha, no entanto, o ministro não detalha como isso seria feito.
No ano passado, em evento no MEC com os dois pastores citados na reportagem, prefeitos conseguiram a liberação de recursos para novas obras. Um deles, da cidade de Anajatuba (MA), que tem 27 mil habitantes, obteve seis obras empenhadas. De acordo com a reportagem, a prefeitura nem sequer comprou os terrenos.
Segundo o prefeito do município, Helder Aragão (MDB), ele se encontrou com o pastor Arilton em um hotel da capital federal, mas disse não ter amizade com ele: "Fui até um hotel em Brasília onde tinha vários prefeitos e ele falava que conseguia obra para o FNDE". Aragão garantiu, porém, que não negociou obras com os pastores nem com pessoas do MEC, e que os empenhos foram garantidos pelos meios corretos.
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